Afinal era noite de lua cheia e não sendo a noite que mais
gosto, o cevador estava bem frequentado. O dia estava óptimo, não estava frio,
apenas uma ligeira brisa e havia uma espécie de sossego, que me impelia a
tentá-lo naquela noite.
Tendo a convicção que as noites mais "luminosas" não são as
mais prolíficas, as minhas esperas são cada vez mais condicionadas pelas
escassas noites (ou dias) que tenho livres, e desde que as condições mínimas
estejam efectivamente reunidas (ou seja, porcos a frequentar o cevador e as
condições climatéricas não sejam extremas em termos de vento ou frio). O resto
é aquela pontinha de sorte, mas sempre “olho vivo”, capacidade de permanecer sózinho na noite,
imóvel, em silêncio e uma grande capacidade de persistência/resistência.
E assim foi, ainda antes do cair da noite dirijo-me à Serra
e instalo-me ainda antes do cair da noite. A noite chega no entanto sem avisar
e dou comigo a apreciar mais uma vez a paisagem, vislumbrando a aldeia de Vale
da Serra sobre o vale, os Arrifes recortados no horizonte e ao longe o clarão
da cidade de Torres Novas, recordando-me que existirão muitas almas, com
escolhas tão diferentes da minha. Afinal, ali, em cima de um
pinheiro num sábado à noite... aguardando na incerteza a entrada quantas vezes
adiada de um javali em noite de luar. Num momento, dou comigo já de volta do
óculo, a ensaiar o tiro e a inspecionar alguns entornos no limite do cevador.
Uau, como se vê bem numa noite de Lua Cheia, parecendo-me ainda melhor do que
me recordava, no entanto eles raramente se deixam iluminar pelo luar...
Subitamente, ouço “mascar” junto a um dos pontos de comida
(já que tenho vários neste local) no entanto uma sombra negra impede-me de
confirmar a 100% o que me parecia, e bem, poder ser um grande navalheiro (pelo
menos assim o imagino). No entanto, e apesar de algum esforço decido
logicamente não atirar à “sombra”. Por sua vez, "ela", decorridos alguns segundos, atravessa o
cevador a trotar, silenciosa, e enorme...era mesmo o navalheiro! E fico com
aquela sensação desagradável de oportunidade perdida.
Passada talvez uma horita surge a entrada de uma vara com
vários animais de grande porte, e após alguma ponderação, decido fazer tiro ao
que me parece maior entre os maiores. Aguardo que se atravesse e primo suavemente
o gatilho. Irrompe o estrondo e a mancha negra esbate-se sobre o chão
permanecendo imóvel. Os outros arrancam desconfiados, mas já devidamente acautelados
no mato. Espero a meia horinha da praxe apenas para garantir que o animal está
mesmo morto e preparo-me para descer.
No entanto decido uma última vistoria à vizinhança do
cevador e nesses escassos minutos sou surpreendido com um porco de grande
dimensão descendo cautelosamente na direcção do porco já abatido, como que numa
atitude de confirmação deslocando-se suavemente.
Viro a carabina para o local com ligeireza e aponto o mais rapidamente
possível. Numa análise rapida parece-me um navalheiro, e faço o tiro, quase de
imediato. O porco cai redondo e fica lado a lado com o primeiro. Que bom penso para mim, esfusiado, com todos aqueles lances com que a sorte me brindara naquela noite. Afinal sempre vale a pena o esforço, repetia para mim. O porco vai
dando uns “arranques” a espaços, que me fazem esperar ainda um pouco e crer que se está a “ficar”.
Não preciso dizer como estava. Não sendo a primeira vez que mato dois porcos
numa noite, a dimensão deles, e a possibilidade de pelo menos o 2º ser um
navalheiro deixava-me, completamente em pulgas. O porco lá ia dando
mais uns solavancos e sem que o previsse às três por uma lá ganha força e para
minha surpresa abandona o cevador. Não sem antes lhe atirar um 2º tiro nessa
saída, já só com meio porco à vista, após o que ouço algum restolhar no mato,
deixando-me inseguro sobre a possibilidade de ter “tirado bilhete” para parte incerta. Aguardo mais uns minutos e desço. O Primeiro porco é uma porca de 100 kg, confirmo. O 2º não estava
lá, mas havia deixado algum sangue, que não de pulmões, e pouco abundante. Ao
entrar no mato escuto a sua movimentação. E decido dar uma volta mais larga
contornando a mancha de mato adjacente, e procurando saber se havia saído mesmo do outro lado. Detecto
desse lado algum sangue e algum “arranheiro” no chão. O porco havia estado lá. Volto a sentir barulho
dentro da mancha de mato adjacente e nova movimentação. Bom sinal. Seria o porco a que atirei, mas ganho
medo de me "fazer" a ele sozinho e sem visibilidade.
Decido levar a porca e procurá-lo apenas de manhã.
E assim foi. Tendo conseguido o apoio de uma verdadeira “equipa
de busca”, começamos logo de manhã e com boa visibilidade a procurar os seus vestígios a partir do cevador. E felizmente não demorou muito a descobri-lo. Estava ainda vivo,
pelo que foi preciso rematá-lo.
E sim, era uma navalheirito, com não mais do que 3-4 cm de
navalhas expostas e com cerca de 70-80 kg.
Mais que pelo Trofeú, eu estava simplesmente feliz pelo meu “doblete ao luar”! E
por mais uma boa história e mais uma magnífica recordação.
Ps. Obrigado ao meu Pai, pela manutenção dos cevadores e
pelas suas recomendações. Estou certo que percebe muito dos porcos (mais que grande maioria
dos actuais caçadores-esperistas). Estou consciente que sem ele nada disto seria
possível. Obrigado pela ajuda ao meu cunhado João e mais uma vez, aos incansáveis, e meus grandes amigos,
os irmãos Pereira – desta vez foi tudo a dobrar. Agora, é esperar pelo 58º!
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