Histórias
Caçadas na minha Aldeia
Esta página
visa divulgar algumas das histórias que ao longo dos anos conheci na minha
terra e com cujas personagens de algumas delas privei ainda, seja na Caça ou de
Amizade. O título acima, é o título do projecto que tenho vindo a conduzir, angariando e escrevendo histórias, pelas quais sinto alguma empatia, no sentido de vir a publicar um dia um pequeno livro, que as agrupe e mantenha para memória futura. O intuito é o de dá-las a conhecer a um público muito mais vasto, contribuindo assim para a valorização do Património cultural, associado à Caça. Seguem-se alguns exemplos ainda que nalguns casos sujeitas ainda a ser re-escritas e re-avaliadas. Sendo histórias verídicas e conseguindo associar o contexto, personagens e locais em que decorreram a maioria das mesmas, confesso dar-me sempre muito prazer recordá-las e imaginá-las. Ficaria satisfeito se a cada um de voz, ao lê-las, estas histórias proporcionassem pelo menos um pouco desse prazer.
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(Posted: 2015/12/04)
Com o Alerta é Perdiz certa!
A Serra d`Aire
será sempre um local mágico, de mil encantos e encontros, para os que aqui
vivem e caçam. É certo que em termos paisagísticos, nada terá a ver hoje em dia,
com a Serra de antigamente. Muito mudou desde hà 100 anos, ou mesmo de há 50
anos para cá. Sobre este tema, recordo de pequeno os comentários da minha Avó
materna. De nome, Maria do Espírito Santo Ferrúcio Ganhão, que tendo ficado
orfã de mãe á nascença, não bastando as agruras normais para a época de quem
nascera em berço de classe camponesa, foi criada apenas pelo pai e avô. Mulher
de coragem que criou o seus quatro filhos praticamente sozinha, já que o meu
avô emigrou para África, mas simultaneamente muito sensível, sempre que havia
“birras” lá em casa, de pronto nos recordava (aos Netos!), que a vida que
tínhamos era “para além de muito mais” que o que tinha tido no seu tempo. A
exemplo, muitas vezes nos descrevia, que em miúda, juntamente com o pai, ou com
o seu avô (o Ferrúcio) iam ao mato com o “burrito” para a cama dos
animais e tinham de “dobrar” a Serra para a vertente Oeste (virada a
Minde-Fátima). Segundo ela a encosta da Serra era toda ela limpa, leia-se
amanhada, e não existia oliveira que não tivesse dono. Para quem conehce a
Serra d`Aire hoje esta é uma descrição inimaginável. Mas voltando à Caça, por
esses tempos, e durante algumas décadas, os caçadores encontravam-se apenas
entre as classes mais abastadas e não passariam de uma “meia-dúzia” em toda a
Freguesia de Pedrógão. O Sr. José “do Augusto”, proprietário de muitas
parcelas, comerciante e dono de uma das tabernas na aldeia de Pedrógão era um
deles. Habitava junto á Igreja Matriz, local privilegiado para os fregueses da
altura. Homem bem falante e de trato simples, era conhecido também pela sua boa
disposição e grande paixão pela Caça. Numa altura em que se podia caçar ainda
todos os dias, este acompanhava com alguns outros caçadores, com nome firmado
entre os Caçadores da época, como o Sr. Luís Brogueira (Avô paterno da minha
esposa, bisavô dos meus filhos).
Para quase todos
estes caçadores a Perdiz era espécie rainha. Por esses tempos, as perdizes abundavam
quer em terrenos de Serra, e Arrifes adjacentes, onde também eram cultivados os
cereais, quer nos bem cuidados olivais, figueirais, vinhas e terras de amanho dos
vales e outeiros, que antecedem os Arrifes (e dizem que eram muito mais abundantes
que os coelhos, na altura também escassos por ali). Por isso, caçavam quase
todos com bons Perdigueiros, animais de linhas rústicas, que nada têm a ver com
os de agora. Cães de grande qualidade, que nunca conheceram canil e que caçavam
quase todos dias e entre os quais alguns fizeram história. Numa bela e fresca manhã
de Outubro, o grupo do Sr. José do Augusto caçava em linha sobre os arrifes de
Pedrógão d`Aire. Após uma já longa caminhada, e depois dos cães já terem
sinalizado as perdizes, num local chamado “a Peninha do Arrife”, deparam-se com
o primeiro bando. O “Zé do Ógusto” que fazia a ponta de fora na linha, sobre a
aldeia, faz um tiro sobre uma das perdizes que saiem mais fora de pé e que
acusa claramente o impacto. No entanto, a perdiz dirige-se em “piloto
automático”, ferida de morte, mas de asa aberta, aproveitando o declive, até
lhe restarem forças, em direcção à zona sobranceira de mosaico de olival e
figueiral. O seu cão, de nome “Alerta”, e que as havia conduzido bem de perto, cão
experiente e de afiançados predicados como animal de caça, observa atentamente
a trajectória da perdiz. Assim como o seu dono. Com uma diferença no entanto. Apercebendo-se
que esta ficara num olival distante, quase a perder de vista do promontório
onde se encontravam, e tirados os azimutes, o Alerta arranca de imediato. Arrife
abaixo, como se soubesse exactamente onde a encontrar o cão saiu determinado, ou
como se costuma dizer, de “rota-batida”. Aguardando sobre os imponentes arrifes
calcários, ali em erosão hà milhares de anos, o seu dono e depois os restantes
companheiros, aguardam o sufiente para o cão descer e encaminhar-se na direcção
certa. Até aí nada de especial, o animal já o havia feito outras vezes, muitas,
algumas mais largas, outras mais curtas, e cobrar aquela perdiz não seria uma
surpresa em absoluto. Mas esta perdiz havia chegado muito longe mesmo. No
olival, onde aparentemente a perdiz havia finalmente caído um grupo de “Serranos”
encontra-se na apanha da azeitona. Por estes tempos, estes grupos eram muito
típicos nesta zona, sendo provenientes da região de Pombal, Ansião, Abíul,
Serra da Sicó, etc., fazendo ali a temporada da azeitona, e de seguida voltavam
à sua região, onde tipicamente esta amadurece mais tarde.
Bastante
distante, e já dentro do olival, o animal sai por isso fora do campo de visão,
deixando o dono e colegas na incerteza... Será que ele a cobra, será que não?
– Oh Sr. Zé, olhe
que é muito longe e nem tem a certeza se ela se ficou. Olhe que se ela se
aguenta a pés o cão nunca mais a traz. Dizem-lhe os colegas de linha, mais com
vontade de prosseguirem de pronto a caçada, do que propriamente por não desejarem
que o cão a cobrasse.
No entanto, e já
preparado para chamar o Alerta, começa a ouvir-se subitamente o cão a latir de
parado. Estranho. Seria algum bicho? Ou deu ali com outro “canito” e levaram-se
de razões? Após alguma insistência do Alerta, observam o movimento intermitente
de um dos homens no olival, entre o matizado verde das oliveiras, dirigindo-se
ao cão. A verdade é que logo após, o Alerta encaminha-se de regresso. Bem, não
ficou claro o que se havia passado. E pelos vistos não interessava muito.
Completamente estafado o Alerta lá vem finalmente. E deposi daquela espra toda,
era mesmo o que contava para proseegirem caçando. O animal sobe agora o Arrife
pelos carreiros pedrogosos que conhecia bem. Mas, a dada altura confirmam mesmo
que ele trazia de facto a perdiz. Exausto, o Alerta chega já a caminhar a passo
e finalmente entrega o aguardado troféu, como era seu hábito. Surgem os
naturais elogios e as festas merecidas.
– Oh, Sr. Zé com
um cão assim, nunca chega a casa sem caça!
A verdade é que
havia somado naquela manhã mais um cobro magnífico e apenas digno de um cão
muito especial. O grupo continua a caçada, pois nem todos tinham ainda uma
“vermelha” ao cinto. A manhã ainda daria seguramente azo a mais alguns lançes e
sem qualquer pressa. Sobre a lameira da mó voltaram a carregar sobre mais uma
bandada delas que voou para chã, e até à ladeira dos postes, ainda ficaram mais
algumas. Enfim, uma manhã como muitas outras, de caça e grande convívio num
entorno natural de beleza sublime, em companhia das mais simples e genuínas
amizades. Eles próprios eram parte integrante daquele magnífico e rústico
cenário. No domingo seguinte, no cumprimento das suas tarefas “taberneiras” à
hora da Missa, alguns dos “Serranos” entram-lhe pela taberna (enquanto esperam
pelas mulheres) e como em tantas vezes a conversa virou à Caça. Simultaneamente
desmorecido e agraciado, um dos homens acaba por contar que nessa semana havia passado
por uma experiência invulgar.
- Oh Sr. Zé, a meio da manhã, vem esgalgueirada,
uma perdiz lá de cima dos Arrifes, penso que deram para lá alguns tiros, e vem
cair quase em cima dos panos no olival onde andávamos. Eu vi-a logo!
Adianta o homem com alguma excitação mas com um tom de
que a história não se ficou por ali.
E então? Perguntou-lhe ainda intrigado o Sr. Zé do
Augusto, sempre amante de uma boa história.
- Pois olhe, guardei-a
de pronto em cima da troncada da oliveira.
- Também se
ninguém a procurou, não tinha sequer que a esconder. Atesta o Sr. Zé
com algum sentido de Justiça.
Pois considerava ele que peça que é chumbada ou ferida
tem de ser procurada (até á exaustão). E fazendo já contas que se poderia tratar
de alguma das perdizes chumbadas no Arrife por ele, ou por algum dos colegas.
- Mas espere, a
melhor parte vem agora. (Atropela o homem)
- Quando pensava
que já nam vinha alguém à procura dela e já a vê-la no tacho... vem o <cabrão>
do cão a cheirinhar tudo, um cão grande bonito, e não é que dá mesmo com ela. E
mesmo em cima da oliveira! E começa ali a malhar, Au! Au!... Au! Au!... e como
não desmanchava... comecei a ganhar medo que me aparecesse o filho da mãe do
dono à procura dele. E nunca me arranjasse ali uma chatice, tive mesmo de lha
ir dar! Bem, também bem a mereceu...
Nesse momento já
o Sr. José do Ógusto tinha percebido bem que história era aquela...
Com atenção bebia
cada palavra com a satisfação de quem tinha assistido a um verdadeira pérola de
acção e termina a façanha num final que ainda hoje é lembrado por todos ali
pela “terra”. Abrindo a porta que dava para o seu Pátio (ao lado da Taberna) e
chamando o Alerta:
- Oh, Sr., veja
lá se não é este o “cabrão do cão”?
Já a ver também onde estava metido, o “Serrano” corava
agora e estava a ficar incomodado.
- É pá! É este mesmo. Eh, pá não me diga... não me
diga...
- Oh Sr. e agora já está a ver, que o “filho da mãe” do
dono sou eu!
Diz-lhe ainda o Sr Zé do Ógusto com a boa disposição de
homem integro e que estava apenas a apreciar a situação, com uma boa risada e
espanto de vários, todos, os presentes que se encontravam na sua taberna aquela
hora.
(Posted: 2015/09/28)
O
Pêla e as Raposas do Fetal!
No
que toca a Raposas, uma das histórias que mais gosto tem como protagonista um
amigo, e um dos maiores raposeiros de sempre daquelas bandas, Rui Paulo Alves
Carvalho, natural de Pedrógão d`Aire, conhecido pelo “Pêla”. Caçador e grande
bicheiro, era sobretudo nestes últimos que se afirmava em plenitude, não havendo
bicho a que não trocasse as voltas.
Na
altura, já casado e com uma filhota pequena, o aceso vício pelas raposas
levou-o a experimentar um lindíssima noite de luar (ao chio) e a aceitar a
companhia da mesma, que há muito insistia em acompanhá-lo, com alguma
persistência. Dias antes, em conversa com outro amigo, havia deixado escapar
por abuso de linguagem, em presença da pequenita, que se sentia tentado a
esperar “uma <puta> de uma raposa”, coisa que não fazia a algum
tempo.
O
local escolhido era uma zona que tantas raposas havia já “dado”, denominado de
Fetal. Um terreno amplo e plano, um figueiral, que intermeia os arrifes
pedregosos da Serra d`Aire e as zonas baixas de cultivo, de olival e figueiral,
na periferia da aldeia de nome, Alqueidão. À chegada colocaram-se, como era
hábito, confortavelmente sentados de recosto ao pé de uma das árvores, bem no
meio do figueiral e com os arrifes todos bem de frente e de onde desciam as
raposas. Nesse momento fazia já lusco-fusco. O Pêla fazia as suas chiadeiras
com um tubo de cana e membrana de balão, experimentava duas ou três e
normalmente havia uma que lhe soava mais fielmente ao coelho ferido/em apuros. Pouco
depois a noite caía, o luar instalava-se gradualmente e pouco tempo depois decide
começar a “chamar/chiar”, como normalmente, por curtos períodos intermitentes,
com alguns minutos de espera de permeio. E como de costume as raposas não
tardaram a responder através dos seus gritos característicos.
Em
poucos minutos e já vislumbrando um vulto á distância, foi-lhe “mantendo olho”,
confirmando que a espingarda estava de pronto e já de canos a jeito. Por outro
lado, confirma que a sua filha acabara de adormecer no silêncio da noite que tranquilamente
se instalara, motivo pelo qual a preocupação era enorme. Por um lado, tudo
indicava que estava eminente um disparo, lance que muito desejava, por outro a
incerteza do susto que iria provocar à pequena deixavam-no como pai, cada vez
mais angustiado, já que esta tinha apenas 5-6 anos. Entre o parar e continuar o
“chio” observava como a raposa, em comportamento semelhante aos felinos, se
agachava para logo de seguida “guiar” cuidadosamente de novo na sua direcção.
Já a curta distância, a não mais de uma dúzia de metros, ao seu levantar, no
que seria a investida final da mesma, solta-lhe um tiro.
Ao
tiro, e mais preocupado com a sua filhota, do que com a raposa, esta responde
surpreendentemente, em sobressalto, decidida, e quase em simultâneo, pois
felizmente mesmo em sonho parecia estar á espera daquele aguardado desfecho.
–
Óh Pai, então? mataste a <puta>?
Sem
tempo para que acabasse a curta frase, e muito menos de ter a resposta que
pretendia. Este atira pela segunda vez. A talvez apenas escassos 4-5 metros da
primeira, da erva rasteira havia irrompido do sombreado cinzento uma segunda
raposa que lhe havia passado despercebida. Como sempre, certeiro e pouco amigo
de perder uma oportunidade inesperada, essa segunda raposa, á semelhança da
primeira, praticamente também não saiu de onde se tinha erguido.
–
Então, Pai? Mataste a <puta>?
–
Não filha! matei duas?
–
Duas, Pai? Eh, valente!
A
atrapalhação com o provável susto da filha, o recolher das duas raposas, a
recompensa por ambos terem “delirado” com o momento, a passagem aos aramados da
propriedade, com ambas as raposas e com a sua filha ao colo, a alegria de um
doblete conseguido da forma que foi, a chegada a casa... um motivo para ficarem
acordados quase o resto da noite. E até ao resto da vida a pensar numa história
fantástica, sempre que se fala de Raposas, e sem dúvida digna das melhores Histórias
da Caça!
Quanto
ao “Pêla”, enquanto caçador terá morto muitas centenas de coelhos, senão mesmo milhares,
perdizes, tordos e seguramente largas dezenas de raposas e de toda a bicharada
selvagem, que abunda(va) nas bandas da Serra d`Aire. Tinha igualmente cães
excelentes para coelho e raposa, e como o seu irmão, marcaram uma época,
enquanto caçadores de “craveira” por aquelas bandas. Agora, faz jà uns anos que
deixou de caçar, pela escassez de caça, pelo excesso de regulamentação, pela
crise,..., e é provável que nunca mais volte ao que era, mas uma coisa é certa,
será sempre um dos melhores caçadores que aqueles arrifes serranos alguma vez
viram, com e sem arma na mão.
(Posted: 2015/07/09)
Perdizes no cabeço (pela voz do Lisboa)!
Em meados dos anos 80 a quantidade de caça em redor da
Serra d`Aire, seja em coelhos, seja em perdizes era bastante generosa, pelo que
sem grandes pressas, qualquer jornada rendia à maioria dos grupos locais, um
quadro de caça invariavelmente farto e uma sessão de muito boa disposição. Caçar
era a autêntica folia por essa altura, e nas aldeias da Freguesia de Pedrógão à
semelhança de todo o país, existiam muitos caçadores e muitos grupos que
caçavam essencialmente ao Coelho. E estes chegavam efectivamente para todos. Decorria
a primeira metade da década de 80 e naquela manhã o grupo em que caçava o Lisboa cumpria o trajecto definido pelo
Ribeiro da Pereira, entre Alqueidão e Adofreire, duas das aldeias da Freguesia
de Pedrógão, dando caça sobretudo aos abundantes coelhos abrigados por este
Ribeiro e sustentados pelas muitas hortas e amanhados adjacentes. As “varadas
de coelhos” (varas cheias de coelhos!) conseguidas por ali, levam a que ainda
hoje os caçadores que se refiram a uma jornada aos coelhos, utilizem
vulgarmente a expressão – Então e para
onde é a “varada”? Na altura, independentemente do destino o resultado era
uma “varada” de coelhos. No entanto, por esses anos, a presença generosa de
caçadores de outras paragens por ali era também uma constante. Isto, a ponto
dos caçadores locais não conseguirem realizar os percursos planeados de antemão.
Esses confrontos geravam sempre algum desconforto entre os mesmos e resultam a
pouco a pouco, na vontade quase generalizada de “coutar” como Zonas de Caça
Associativa grande parte do território (possibilidade que surge entretanto em
1986). Este fenómeno não é apenas registado ali mas quase por todo o País. Grande
parte das ZCAs surge mais do que de um ideal de Gestão ou de Ordenamento do
sector da Caça, mas da vontade de acabar com a vinda de forasteiros. Estas
migrações provém sobretudo de regiões mais a Norte e que já penavam sem caça,
sobretudo sem coelhos. Por essa altura em virtude sobretudo da mixomatose e
cujo efeito ainda não havia chegado ali. E é essa reacção, um pouco egoísta
entre caçadores, que está na origem do ímpeto de ordenamento dos finais dos
anos 80, ínicio dos anos 90. Mas isso são outras histórias!
A verdade é que alguns desses contactos enre locais e forasteiros acabavam em histórias bem caricatas. Nessa manhã, como em tantas outras, já depois de uns quantos coelhos pendurados e de tudo decorrer como efectivamente esperado, preparava-se para acontecer exactamente um desses “confrontos”. Quase em simultâneo juntara-se no ribeiro uma equipa de Alqueidão, na qual caçava o Lisboa e uma equipa desses forasteiros, claramente de sotaque soando a muito longe dali.
Enquanto miúdo este Lisboa terá seguramente furtivado e “colhido sem pedir” muitas vezes para sossegar o estômago, próprio, e da prole de irmãos. Homem franzino, talvez pelos seus 30, e de tez escura, com reflexos de gato, e olhar bravio, mas simultaneamente afável de trato. O seu olhar e sorriso, são do tipo de quem nunca conheceu dificuldade e muito menos derrota. E a Caça era momento onde isso ficava seguramente bem claro, a todos com quem caçava. Conhecedor do campo e dos bichos desde tenra idade, onde terá cumprido com quase todas as lides e ofícios... por tudo isso e ainda que jovem era já caçador experiente e figura sobejamente conhecida pelo seu expediente enquanto caçador. Não deixava créditos por mãos alheias, a caçar... ou a resolver fosse o que fosse.
O Lisboa era
homem de reconhecida bravura, pela própria naturalidade como encarava as situações,
ela própria muito característica dos bichos bravos, que conhecia como ninguém,
assim como a palmo todas aquelas geografias.
O grupo forasteiro não dava também mostras de querer
desviar e ali estavam já hà minutos “ateimando” e aguentando posições, misturados
numa salganhada de caçadores e cães, todos em torno do dito ribeiro.
Como coelho que se furta aos cães, o Lisboa arranca encosta acima com destino ao cabeço sobranceiro,
deixando apenas aviso aos colegas das posições mais
próximas para aguentarem o grupo no Ribeiro mais um pouco.
próximas para aguentarem o grupo no Ribeiro mais um pouco.
Após escassos minutos, e como que por encanto, começa a entoar lá em cima o canto das vermelhas e esquivas perdizes, na altura também elas ainda abundantes por ali. Ao ouvirem as “bravas” ali tão próximas, os forasteiros desmancharam quase de imediato do ribeiro e em sobressalto saíram em passo apressado em busca das perdizes, que cantavam no cabeço a plenos pulmões (mas pela voz do Lisboa, Claro!).
No seu regresso sorrateiro ao seio do grupo, e partilhada a maroteira bem
sucedida com todos, mesmo os que também sentiram vontade de ir
atrás das perdizes, a risada foi generalizada e a satisfação do Lisboa, total.
Ouvi várias vezes a perfeição com que o fazia, sendo
verdadeiramente exímio a entoar “chamadas” digna dos perdigões mais bravios
daqueles recantos.
Não hà muitos anos, ainda recordo os seus olhos pequenos,
escuros e brilhantes, ao ouvir emocionado, durante um jantar de amigos, o
reviver desta façanha da sua juventude.
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