Artigos
Tendo começado como uma mera brincadeira e por alguma curiosidade, ao longo dos anos tenho colaborado com diversas revistas e jornais relacionados com a Caça, como articulista, cronista, tendo até ao momento mais de meia centena de textos publicados em várias revistas e jornais de âmbito nacional, nomeadamente nas revistas "Calibre 12", "Caça & Cães de Caça", "Caça Maior e Safaris", "Extra Galinhola" e Jornal "A Nossa Caça". Esta página destina-se a divulgar alguns desses textos anteriores, e outros que eventualmente me sinta impelido a "escrevinhar".
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(Posted 2015/11/29)
Galinholas do meu Encanto!
Introdução
Falar de Galinholas actualmente nunca será acautelar
demasiado, já que se trata de uma modalidade que envolve uma grande paixão e
carga sentimental, sendo em consequência interpretada de forma muito particular
por cada caçador. De tão apaixonante, há quem se lhe dedique em exclusivo ou
quase, sendo por isso referida com frequência como modalidade de especialistas.
Pessoalmente, não existe Época que não lhes dedique uma
boa meia dúzia de jornadas e partilho da opinião de que se trata de facto de
uma espécie muito particular e que merece ser apreciada com todos os requintes.
Matar Galinholas enquanto se caçam coelhos, de batida ou como muito comum no
passado em alguns locais, á passagem,
não é de todo a forma como a Galinhola deve ser encarada. Disso não deve
existir a menor dúvida, sendo seguramente consensual entre quem se dedica com
maior ou menor profundidade a esta Caça!
Caça de Especialistas
Porém,
como caçador, eventualmente talvez denominado de generalista, se tivermos que
dar um nome a quem caça não a tudo, mas a um largo conjunto de espécies, não a
sinto, em boa verdade, como modalidade exclusiva ou apenas reservada a
especialistas. Muitos serão os caçadores nestas mesmas condições, que motivados
por uma paixão legítima á Galinhola a encaram com máximo respeito e lhe
procuram corresponder em ética, conhecimento, o imprescindível cão de parar e a
necessária cota de dedicação sazonal.
Figuradamente, no Universo
da Caça, a Galinhola é verdadeiramente um Mundo por conhecer, e a cada
um cabe a forma de o fazer se for caso disso, se de avião, de barco ou a pé,
viajando todos os dias ou descansando de permeio, intercalando com outras
actividades, conforme cada um possa ou assim o deseje.
Como em quase tudo na vida, a Galinhola começa também por
uma descoberta, que tende a alimentar uma interminável fase de aprendizagem,
sobre a mesma, os seus territórios e sobre os cães de parar, pautada de
sucessos e insucessos, bons e maus dias, boas e más épocas – mas sem dúvida uma
marcante e agradável experiência enquanto caçadores, predispostos a essa
viagem.
A presença de
Galinholas
A
densidade de Galinholas depende muito das condições climatéricas, sobretudo as
associadas ou que influenciam a sua migração, assim como as que condicionam o
estado do próprio terreno e coberto vegetal, dos locais que supostamente as
terão de acolher, como hóspedes temporárias. Por vezes, coincidindo com as suas
“entradas” deparamo-nos com densidades absolutamente anormais e que duram
apenas escassos dias. Após esse curto período, imediato á sua chegada, ainda
“agrupadas”, estas tendem a redistribuir-se pelos novos territórios recém
alcançados. Nas “saídas” este fenómeno também parece suceder, justificando
ocasionalmente excelentes resultados em jornadas tardias.
De
ano para ano, com base em todas essas variáveis, incluindo igualmente o número
de abates realizado na zona de caça, a densidade desta espécie mostra
flutuações, na maioria dos casos acentuadas. Por esse facto é necessário manter
um acompanhamento “apertado” á zona de caça vigiando os locais de maior crença.
Os Terrenos
Os terrenos típicos de Galinhola terão de proporcionar
alguns aspectos importantes, sossego, abrigo e alimentação. Assim, é comum
encontrá-las em bosques de folhosas ou mesmo em pinhais, quase sempre densos,
sombrios, que lhes proporcionem por um lado abrigo e sossego, por outro um
manto de matéria orgânica húmida, onde se desenvolva um banquete, rico de
larvas, minhocas, etc. acessível á prospecção dos seus longos e adequados
bicos. É comum estes mesmos bosques intercalarem com prados alagadiços, onde
preferem realizar os seus passeios gastronómicos nocturnos. Alimentando-se
nesses espaços abertos, a Galinhola deverá sentir-se talvez mais defendida de
alguns predadores. Nas suas orlas e em determinadas condições de consistência
do solo é possível detectarmos sinais da sua presença, quer marcas das suas
patas, quer os “buraquitos” realizados pelo seu bico. Em terrenos de esteva ou
fetos, com alguma crença de galinholas, não se tratando de cobertos muito
altos, embora por vezes muito densos por cima, é de realçar tratarem-se de
cobertos necessariamente abertos ao nível do solo, proporcionando-lhe
mobilidade e todas as condições referidas á sua alimentação.
Porquê caçar a Só ou com
apenas mais 1 ou 2 espingardas?
Precisamente
porque a Galinhola não se encontra distribuída uniformemente, mas quase
confinada a locais específicos na maioria das vezes de pequena dimensão, as
chamadas zonas “quentes”. O caçar em linhas maiores, “batendo” amplas faixas de
terreno a eito não faz por isso qualquer sentido, a não ser talvez numa fase
inicial de prospecção/exploratória dessas zonas “ quentes”. Por outro lado, a
presença de um número elevado/maior de elementos torna o sossego e cuidado necessários
ás “aproximações“ a esta espécie praticamente impossíveis (interferência dos
vários cães uns nos outros, concentração caçador/cão a níveis mais baixos, mais
ruído em geral, etc.) e nessas condições as desejadas paragens, podem
substituir-se a apenas levantes antecipados, impossibilitando o desfrutar dos
lances.
O Cão de Parar
A
importância de um cão de parar na caça á Galinhola é mais do que evidente,
fundamental por tudo o que foi dito atrás. Dado o tipo de terreno, normalmente
muito difícil (sujo, fechado, com obstáculos, ...) dificultando a nossa
progressão e colocação, dificultando de sobremaneira as condições em que se
atira e a acção do próprio tiro é de todo indispensável a colaboração de um cão
de parar com sensibilidade “capaz” para as Galinholas. Para além de as
localizar/sinalizar um cão de Galinholas tem de ter o cuidado essencial de as
conseguir “aguentar” - o que ainda assim nem sempre acontece. Um cão de parar
para as Galinholas terá de conciliar um carácter combativo, enérgico, de plena
entrega, inerente a um bom desempenho num tipo de cenário de grande dureza e
adversidade com a crucial ligação ao seu amo e a fina cautela imprescindível á
paragem da Galinhola.
O
cobro é por fim outra das qualidades de destaque e que forçosamente deve fazer
parte de um (bom) cão de Galinholas. Perder uma Galinhola num terreno típico
desta caça não será claramente difícil se ousássemos cobrá-la sem qualquer
ajuda.
Como
se depreende um cão de Galinholas tem de ser á partida um animal muito completo
e por isso sem dúvida bastante especial para o caçador.
Notas finais
Baseado
na sua maior experiência e conhecimentos técnicos incontestavelmente mais
profundos, fruto de uma dedicação específica e intensiva, muitos outros
estariam mais á altura de escrever um texto sobre a Galinhola e a sua Caça. Por
esse motivo, estas linhas não representarão mais que uma versão afectuosa de
comum Caçador para Caçador sobre o assunto, mas que pretende por essa via
transmitir e assegurar que, mais ainda serão aqueles, os que podem vir a
conhecer e a experimentar o encanto desta ave enigmática, enriquecendo ou
complementando-se enquanto caçadores, ainda que não necessariamente caçadores
em exclusivo de Galinholas.
As jornadas de Caça a esta espécie têm um carácter
peculiar de “encantamento”. Na solidão da sua busca e desses fascinantes
“encontros” resultam por vezes lances de inenarrável beleza. Desses hiatos de
paz e felicidade guardam-se deliciosas memórias, que irrompem frequentemente ao
pensamento como se tivessem vontade própria em ser recordadas e que me aflige
um dia vir a perder. Admitindo essa inquietação e no constante desejo lhes
acrescentar sempre mais um lance passei por isso, no meu íntimo, a apelidá-las
de “Galinholas do meu Encanto!”
...aos
que sofrem, ou virão ainda a sofrer do seu encanto.
“Aos meus amigos Carlos Ferreira e
Beto, ao primeiro como grande responsável pelo meu encontro com as Galinholas,
ao segundo como companheiro com quem tantas vezes as tenho caçado, a todos
quantos tenho escutado da sua experiência sobre o assunto, aos cães que tive e
que ainda tenho, a Kikas, a Alorna, o Bizarro e agora á Aia, com quem ao longo
dos anos esta amena
aventura tem acontecido!”
Como
simples curiosidade, recordo amiúde relativamente á “Caça á Galinhola”, a
passagem nostálgica do Romance “Rio das Flores”
de Miguel Sousa Tavares, quando a dada
altura este relata o falecimento do patriarcal Manuel
Custódio, enquanto caçava Galinholas na companhia de seus filhos, num
lance de sóbrio e fiel detalhe sobre a mesma. Eventualmente, apenas sentida com
a intensidade desejada por quem caça de paixão e conhece as Galinholas,
trata-se de um momento sublime, que não deixará muitos caçadores indiferentes.
“Teve morte de Caçador, num dia em que
saíra para caçar Galinholas, a sua caça favorita, acompanhado pelo seu braque,
o “Campeão”, pelos dois filhos e pelo feitor da herdade, o Tomé da Amieira.
Caçavam num terreno “sujo” e difícil, um entranhado de silvados e arbustos
altos, onde a custo ele se embrenhava, arranhado nos braços e na cara e
mantendo a espingarda ao alto, por cima da vegetação. Extenuado, tinha acabado
de chegar ao cimo de um cerro íngreme, quando ouviu o ligeiro silvo da galinhola,
levantando do chão onde estava oculta e partindo disparada, no seu
característico voo aos ziguezagues por entre as árvores, tornando quase
impossível um tiro certeiro. Mas apesar do cansaço, ele reagiu rápido e por
instinto: apontou, meteu-a em mira, calculou numa fracção de segundo a sua
trajectória, “corre a mão” para diante e disparou para um ponto á frente dela.
Fulminada, a ave caiu “seca” e, no mesmo instante, o Campeão lançou-se
para a cobrança.
E foi aí, no alto desse cabeço, que
Diogo foi o primeiro a dar com o pai, minutos decorridos. Manuel Custódio jazia
de joelhos, com a espingarda caída à sua frente e a cabeça apoiada na terra, em
estranho equilíbrio. Junto a ele, o Campeão gania baixinho, a galinhola
morta a seus pés, e com a língua lambendo suavemente a nuca do dono.”
(In "Especial Galinhola", Novembro 2009)
(Posted 2015/09/24)
A extinção do Coelho Bravo e as suas consequências
O Coelho-Bravo está praticamente
extinto mas as forças dos vários quadrantes para além das directamente ligadas
à Caça e Gestão Cinegética tardam em assumi-lo e em unir os necessários e
proporcionais esforços para a sua recuperação, como nunca se justificou tanto!
Provérbios como, “O pior cego é aquele que não quer ver” ou “o que os olhos não
vêem, o coração não sente”, parecem descrever a situação.
MIXOMATOSE E DHV (Doença
Hemorrágica Vírica)
A Mixomatose presente na
Península desde os anos 50, quando foi detectada pela primeira vez, deixou
fortes marcas em Portugal, sobretudo entre finais da década de 70 e inicio da
década de 90. Alguns autores estimam que os surtos iniciais chegam a devastar
cerca de 90 % das populações iniciais. Durante este período a taxa de mortalidade
provocada pelos surtos iniciais de Mixomatose começa a diminuir, mas a partir
de finais da década de 90 surge outra doença devastadora, a DHV (Doença
Hemorrágica Vírica). Em consequência desta nova doença estima-se que na
Peninsula as populações tenham regredido para 55 a 75% das populações até aí
existentes, em muitos casos já substancialmente reduzidas. A Mixomatose e DHV
passam a coexistir na maioria das regiões. As populações não serão desde aí mais
que 5-10 % dos valores iniciais (Pré-Mixomatose).
Note-se que os cenários e evoluções descritas não acontecem em simultâneo,
nem ao mesmo ritmo em todo o País, revelando nalguns casos até mais de uma
década de diferença temporal, entre diferentes regiões.
O SUL DO PAÍS E A NOVA DHV
Ainda assim, o sul do nosso
país consegue “aguentar” zonas de melhor densidade de coelho. E mesmo em zonas
mais a norte, decorridos alguns anos do surgimento destas doenças, os coelhos
pareciam recuperar gradualmente. No entanto, em finais de 2012 - início de
2013, surge uma nova variante da DHV ainda mais letal provocando niveis de
mortalidade superiores e atingindo coelhos juvenis, não afectados pela DHV até
aí existente, e que por isso nunca chegarão sequer a procriar. Esta variante vem
provocar estragos ainda mais severos nas populações de coelho, não “respeitando”
sequer as zonas que até aí conseguiam resistir ao virús, sendo reportadas
perdas massivas nas populações de coelho no Sul do País. Curiosamente, é
reportado em Espanha que a anterior variante da DHV deixa mesmo de ser
detectada no campo, facto que preocupa actualmente quanto ao desenvolvimento futuro
de possíveis vacinas (e em curso).
ESFORÇOS PARA REVERTER O
DECLÍNIO
Ao longo destas décadas,
ensejando recuperar o coelho bravo, e sobretudo de conseguir resultados à
semelhança dos anos de maior abundância, por parte de caçadores e gestores
cinegéticos decorreram repovoamentos de coelho em muitas zonas de caça (muitos completamente
descontrolados). Muitos destes repovoamentos destruiram, quase na totalidade,
as populações de coelhos locais, e acentuaram a progressão destas doenças.
Ainda que, vendedores ou compradores, tranquilizassem com a condição “limpa”
dos coelhos e com acções de vacinação, em muitos casos, apenas imediatamente
antes das soltas. Até hoje, muitas dessas zonas continuam a padecer, quase
vazias, se não mesmo extintas. Atestam especialistas que os esforços devem
incidir sobre os vectores de transmissão das doenças, e melhoria dos habitats, eventualmente
num menor controlo sobre os predadores, eles próprios ameaçados pela escassez
de coelhos, mas eficazes como controlo sanitário das populações, e através de
uma redução significativa da pressão de caça. Estas as áreas que devem merecem
mais atenção!
ALGUNS EFEITOS COLATERAIS
>IMPACTO NAS PERDIZES (E OUTRAS ESPÉCIES CINEGÉTICAS)
Numa fase inicial, em
virtude do decréscimo acentuado das populações de coelho, e dos esforços
infrutíferos na reversão do declinio do coelho bravo, muitos caçadores passaram
a dar mais atenção a outras espécies, onde se destacam as perdizes, ainda
abundantes em algumas zonas. No entanto, sendo ainda mais vulneráveis em termos
de pressão cinegética que os coelhos, passaram na maioria dos casos, também à (quase)
extinção. Este facto foi igualmente reconhecido em França e na vizinha Espanha.
O aumento significativo
do número de caçadores (a caçar à perdiz), acompanhado pela alteração de
práticas agrícolas, abandono gradual do mundo rural, conduzindo à consequente perda
de habitats adequados terão igualmente contribuído para o rápido declínio da
Perdiz.
>A CAÇA DE CATIVEIRO E OS CÃES DE PARAR
Ocorre neste período o apogeu
das perdizes criadas em cativeiro e dos repovoamentos de perdiz. Também a
disseminação em larga escala dos cães de parar entre os caçadores portugueses,
das provas de Santo Huberto, das caçadas em campo de treino (com caça de
cativeiro) e das largadas. Como em tudo, as crises são igualmente momentos de
oportunidade para alguns. Mas esse aspecto não é o motivo deste texto. Estas
actividades terão um efeito positivo se reduzirem a pressão real ou efectiva de
caça sobre as espécies selvagens.
Para que não percamos o
tema deste texto, e procurando fazer a ligação causal, é importante realçar que
na génese de toda esta sequência de eventos está a decadência severa do Coelho
Bravo (ainda que simultaneamente acompanhada de outros efeitos).
>A EXPANSÃO DA CAÇA MAIOR (CONSEQUÊNCIA E CAUSA DO DECLÍNIO DO COELHO)
Mas não é só. Simultaneamente,
com impacto também no declínio das populações de coelho e perdiz, inicia-se
outra mudança de vulto, no panorama cinegético nacional, a expansão da caça
maior em Portugal. Esta tem origem também em vários factores como a expansão das
grandes manchas florestais, episódios pontuais como grandes incêndios (forçando
à deslocação dos animais), o abandono agrícola, a protecção oferecida pelas ZICs
(Zonas de Interdição de Caça) associadas aos grandes Parques Naturais, e também
alguns repovoamentos (ainda que um factor menor). Existirão possivelmente
outros, como numa fase posterior e mais recente, até mesmo a elevada pressão de
caça. Se é hoje facilmente confirmado que a presença de veados, gamos, muflões,
e mesmo o corço, é reconhecida em geografias onde não se verificava no passado,
como é do conhecimento geral, a expansão da caça maior tem o seu expoente máximo
na omniprença do javali praticamente em todo o território nacional, vinda desde
os seus redutos históricos, das zonas raianas, até às praias, aos parques
naturais, às matas e jardins junto às cidades e povoados. A sua proliferação é
hoje um dos factores de pressão também sobre a recuperação do coelho bravo.
Em consequência destas
alterações ocorre a explosão de caçadores-monteiros e esperistas, atrevendo-me
a dizer que poucos serão os que hoje em dia nunca frequentaram uma montaria ou
nunca experimentaram a fazer uma espera aos javalis. E é certo, outros passaram
a caçar de aproximação, a caçar veados, gamos, muflões e corços. E muitos em
virtude de tudo isso passaram ainda a caçar no estrangeiro.
Hoje em dia o fenómeno
associado à Caça Maior poderá ser visto simultâneamente como consequência do
declínio severo do coelho bravo e em certa medida como causa desse declínio e
da sua difícil recuperação.
>CAÇADORES E CÃES COELHEIROS
Sendo um pouco mais
atrevido, suspeito que o impacto não se terá ficado por aí. Com o declínio do
coelho bravo em Portugal, os caçadores de coelho terão igualmente “caído a
pique”, os criadores de podengos e raças dedicadas à caça ao coelho terão
reduzido significativamente o seu esforço e investimento. Os efectivos de cães
dedicados à caça aos coelho detidos por caçadores serão hoje, também eles,
muito menores.
Sobre os cães, é certo
que aumentaram os cães destinados à caça maior e cães de parar neste período. Ou
seja mais uma vez, nem tudo foi mau, para todos – como sempre acontece em
qualquer alteração significativa.
COELHOS E PREDADORES À
BEIRA DA EXTINÇÃO...
Não só os coelhos estarão
no limiar da sua existência. Como sabemos, também os seus predadores naturais,
não passam melhores dias. Recordo por exemplo os casos mais emblemáticos do
Lince Ibérico, ou de diversas aves de Rapina. Recordo projectos
conservacionistas que como é óbvio nunca terão sucesso ou este será
substancialmente limitado, para além de muito provavelmente mais onerosos, sem
a recuperação da “pedra de base”, o Coelho Bravo.
O Coelho-Bravo é elemento importantissímo dos ecossistemas mediterrânicos
sendo considerado presa de pelo menos 27 aves de rapina, 11 espécies de
carnívoros e 2 espécies de serpentes, onde se destacam como espécies mais emblemáticas,
o lince ibérico e a águia imperial, ambas em vias de extinção, em parte devido
à diminuição da sua presa principal, o coelho.
... TAMBÉM PODENGOS E
CAÇADORES DE COELHOS ESTARÃO À BEIRA DA EXTINÇÃO
Como muitos dos que se
encontram na faixa dos 40 e acima, iniciei-me na caça ao Coelho, que ainda hoje
pratico, em conjunto com gente de grande paixão pelo coelho bravo. Paixão essa
que se traduz por um trabalho constante na busca dos melhores cães, dos
melhores podengos, pela busca das melhores zonas de caça ao coelho, e por isso não
posso deixar de questionar também, que dada a situação actual e não havendo uma
inversão súbita da mesma, o que será do nosso Podengo dentro de poucos anos? E
do predador-humano? também os caçadores de coelho estarão à beira da extinção.
Pergunto-me se serão os seus actuais caçadores os últimos caçadores de coelhos?
Efectivamente.
ALERTAS DAS OSC NÃO
CORRESPONDIDOS, PELO MENOS NA DEVIDA MEDIDA
Várias são as Associações
e Organizações, sobretudo as do Sector da Caça que têm alertado para o
problema. Mas, seria de facto importante que os decisores políticos relevantes
e as mais variadas associações com influência no sector (Ambiente, Caça,
Floresta, Agricultura, etc) tivessem verdadeira noção que o Coelho é de facto a
chave, uma peça motora da dinâmica ecológica, e também cinegética. Muito ficariam
a ganhar com a recuperação do Coelho-bravo, todas estas entidades e as áreas a
que pertencem, também a Ecologia, o sector da Caça e a Economia do País. Apenas
os que, na verdade, não querem saber ou nada sabem deste assunto, conseguem
ficar indiferentes a um problema desta gravidade.
CAUSA COELHO BRAVO! A UNIÃO
FAZ A FORÇA... MAS É PRECISO QUERER
Porque não? Estado,
Associações Ambientalistas e da Conservação, OSCs e Caçadores unirem esforços, numa
causa única e com carácter de urgência. Infelizmente para todos, provérbios
como, “O pior cego é aquele que não quer ver” ou “o que os olhos não vêem, o
coração não sente”, parecem descrever a situação. Para quando um
verdadeiro Plano Nacional Integrado de Recuperação do Coelho Bravo? Amanhã
será tarde demais para o Coelho Bravo, para muitas das espécies altamente ameaçadas
que dele dependem, e é verdade, também para os canicultores e caçadores que se
lhes dedicam!
Quantos milhares concordaremos sobre este assunto? Seguramente muitos, pena
que não os suficientes a convencer os decisores certos, do nível e extensão do
envolvimento e investimento necessários.
Algumas referências:
Simões, P. 2014. Salvemos o Coelho
Bravo. FENCAÇA. Disponível através do site,
Reis, T. 2013. CIBIO identifica
variante de vírus letal para o coelho-bravo. Noticias Universidade do Porto.
Disponível através do site,
Oliveira, J. 2012. Caracterização da
produção de Coelho Bravo em Cativeiro na Região Norte de Portugal.
Dissertação para obtenção de Grau de Mestre em Engenharia Zootécnica. UTAD,
Vila Real. Disponível através do site, https://repositorio.utad.pt/bitstream/10348/2540/1/msc_jagoliveira.pdf
Otero, S. 2010. Coelho-bravo,
espécie-chave dos ecossistemas mediterrânicos. Disponível através do site,
Ward, D. 2005. Reverter o declínio do
coelho bravo – Um dos maiores desafios para a conservação da natureza em
Portugal e Espanha. Disponível através do site,
Otero, S. ???? (data publicação não identificada no artigo). O Declínio das Populações de Coelho em
Portugal. Disponível através do site,
Ferreira, C. ???? (data publicação não
identificada no artigo). A situação do
coelho-bravo na Península Ibérica: implicações para a Conservação do
Lince-ibérico. REC-UCLM & CIBIO-UP. Disponível através do site,
(Posted 2015/08/10)
As últimas Galinholas...
A atravessar uma fase de algum cansaço acumulado, e também
algo desmotivado com as “Galinholas”, confesso que à partida a vontade de caçar
não era assim tanta.
A verdade é que num ano seguramente medíocre de Galinholas, acabara
de ser diagnosticada uma doença degenerativa ao “Pirata”, e que o afastou
definitivamente da Caça em escassos meses. Setter Inglês, já com 4 anos, este
era o cão mais experiente à altura, sendo um cão muito razoável nas Galinholas.
Uma pena e motivo de alguma desilusão, dada a progressão e maturidade recente deste
cão na busca, mostra, cobro, ligação comigo, ainda que não tendo sido um cão
muito precoce. Mas, como em tudo o resto, a vida tem de continuar e neste caso,
através de outras “promessas”. Com ele havia caçado não hà muito tempo a sua
última Galinhola. E ficará a recordação de um bom cão e excelente companheiro.
Onde quer que esteja agora, que cace muitas mais, com a paixão que lhe conheci.
Ainda assim, a ideia de faltar a este dia estava a pesar-me
na consciência. No fundo, tratava-se da “despedida” de uma época, em que havia
caçado apenas escassos dias às galinholas, comparativamente a outras Épocas, e algo
me dizia que não devia desperdiçar a última jornada.
Por isso, acabo por viajar para Pedrógão d`Aire de véspera e
planeei levantar-me não muito cedo, já que fazia seguramente bastante frio
durante a noite/amanhecer, deixando o relógio despertar apenas às 08:30h. Ainda
assim, acedo a fazer o que o corpo me pedia, DESCANSAR!
Levantei-me apenas cerca das 10:30h, tomei um bom pequeno
almoço, café, pão do dia, etc. e lá preparei as cadelas e os apetrechos da
ordem. Decidi levar as duas bretons, a Uva e a Bolota. Sendo ambas generosas e
abnegadas na busca, a Uva é a mais “sensivel” das duas, oferecendo guias e
paragens de bom nível. No entanto, ambas inexperientes no que toca a
Galinholas.
Enfim, lá saí de casa, já cerca das 11:00h. Tardissímo, mas estranhamente
sem pressas...
Fiz a passagem habitual pelo café, onde os “tordeiros”
daquela manhã fria já se encontravam nos lamentos, também já habituais esta
época. Talvez o pior ano de sempre em termos de Tordo por aquelas paragens. E
na minha opinião, também equiparado, muito fraco mesmo, em termos de
Galinholas.
Depois de perceberem que não tinha ido caçar, mas que ainda o
tencionava fazer, alguns dos que me são mais próximos gracejam da minha “madrugada”.
Galinholas de passagem
ou abatidas de forma fortuita,
Época após época continuam a repetir-se relatos, um
pouco por toda a parte, que durante jornadas a outras espécies, normalmente aos
tordos de espera, mas também noutras jornadas, estas são abatidas de passagem
ou em consequência de levantes fortuitos, por vezes consequência de grandes
ajuntamentos de caçadores em jornadas de caça às migratórias de Inverno ou
casualidade. Sobre este facto, seria positivo que gradualmente a Galinhola
passasse a ser mais respeitada pelos caçadores que não as caçam com cão de
parar. Sendo da opinião, que não o façam pela carne em si e acreditando que
estes caçadores nada têm a provar em termos de capacidade ou qualidade como
atiradores, a si mesmos ou aos outros, porque não respeitar uma ave tão
emblemática e tão mais bela quando caçada com cães de parar? Ainda que a
Galinhola seja peça apreciada à mesa, não será uma galinhola ou outra por Época
que fará qualquer diferença para o caçador que as abate assim – já se alguns
milhares de caçadores ou largas centenas abaterem 1-2 cada um, quando não mais,
isso terá certamente um impacto considerável. Gostando ou tendo curiosidade
pela espécie, não seria preferível experimentarem a caçá-las mesmo, do que
simplesmente matá-las? Julgo que até mesmo esses caçadores, de uma forma
ponderada e racional, conseguirão de forma geral concordar que estas deviam ser
caçadas, apenas e só, de salto e quando caçando com cão de parar
(admitindo cães cruzados dessas raças). E nesse sentido a Lei devia ser mais
explícita sobre a não possibilidade da sua prática de espera, à passagem, ou
fortuitamente de salto sem cães, ou mesmo de salto durante a caça aos coelhos,
por exemplo. A bem da preservação, gestão e da ética na Caça à Galinhola, mais
do que desejável, não será mesmo necessário que as Associações ligadas à Caça
promovam esta discussão e se considerado adequado promovam uma melhor regulamentação?
O que diz a Lei sobre a
Caça à galinhola?
De acordo com a Lei de Bases Gerais da Caça, e
redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 202/2004, de 18 de
Agosto, alterado pelo Decreto-Lei nº 201/2005, de 24 de Novembro, publicados
pelo (antigo) MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DAS PESCAS,
refere o,
Artigo
100.o
Caça à galinhola
1—A caça à
galinhola pode ser exercida de salto.
2—O exercício da
caça a esta espécie pode ser permitido
nos meses de
Outubro a Fevereiro, inclusive,
nos termos
definidos anualmente na portaria que estabelece
o calendário
venatório, sem prejuízo do disposto
no número
seguinte.
3—Em terrenos
cinegéticos não ordenados, nos
meses de Janeiro
e Fevereiro, a caça a esta espécie
só é permitida
nos locais e nas condições estabelecidos
por edital da
DGRF.
Enfim, hà dias para tudo, e lá segui direito à Serra, onde
me propus fazer apenas uma pequena zona de mato com manchas de pinhal e que
considero das melhores zonas de Galinholas daquela zona de caça. Seria já
próximo do meio dia quando começo a explorar a dita zona.
Não teria passado um quarto de hora, quando me deparo
subitamente com a Uva em mostra, apontando ao meu lado direito. Dou alguns
passos ao lado, procurando o melhor alinhamento com o possível levante e .... pah,
pah, pah...
Acrobática, a galinhola eleva-se a pique entre umas urzes
altas, cruzando as ramagens mais despidas dos pinheiros, ainda assim com boa
visibilidade. Ao pensamento assalta-me num segundo, a sorte com que aquele
lance me brindava. Talvez desse encanto, hipnotisado pelo momento, penso que
lhe coloco o primeiro tiro por baixo, observando-a egoistamente por cima do
cano (verdadeiramente graciosa!), mas como é lógico, não evitando o que menos
queria que sucedesse – não oferecer às cadelas o prémio de a cobrarem. No
segundo tiro, já em piores condições e com tal decepção, errei a dita pela
segunda vez, ainda que de forma mais justificada.
As cadelas percorrem toda aquela área, na esperança de que a
pudessem cobrar. Quando se apercebem que de facto não estaria ali, fico com a sensação
de que me olham com complacência, mas também com alguma desilusão.
Por sua vez, eu sinto apenas uma boa dose de vergonha...
Mas enfim, a caça é mesmo assim e restava apenas prosseguir
e procurar outra. Coisa que fiz de pronto. Decidi ainda assim seguir a “linha”
de fuga dessa galinhola e confirmar se teria ficado ainda na “ponta” do mesmo
pinhal – coisa que me parecia possivel.
E assim fiz, caminho gradualmente pela orla fresca e mais
sombria, onde o chão se apresentava ainda húmido. Ao voltar a entrar no pinhal
confirmo a Uva a guiar até que se imobiliza. Já com a expectativa no limite, em
escassos segundos – projecta-se novamente à minha frente, a desejada “Rainha do
Bosque”.
Desta vez a preocupação no tiro era maior e dada a
facilidade com que se apresentou, consigo oferecer o merecido prémio às minhas
companheiras. Lindíssima! Conseguida num lance muito típico e de grande beleza,
daqueles que fazem da caça à Galinhola uma caça muito especial e mágica, como
frequentemente a adjectivam.
A Uva surge em escassos momentos com o cobro, mostrando ter
levado também a melhor sobre a companheira Bolota. No entanto, nem sempre tem
sido assim, e talvez por isso se apresentasse visivelmente vaidosa.
A verdade é que estava de facto de parabéns! Magnífico. Conseguiu
todo um lance que me havia deixado muito confiante, quanto às futuras
companheiras, para as “Galinholas”.
Para mim, havia significado também essa esperança, e uma
pitada de nostalgia na época de despedida do Pirata.
Não o último dia, como precipitadamente ainda comecei a
escrever, mas será seguramente o primeiro de muitos – nesta Caça tão
apaixonante e onde os cães e a Galinhola são os verdadeiros protagonistas, e a
que invariavelmente não consigo deixar de reservar algumas jornadas solitárias todas
as épocas! Foi assim, o culminar das nossas incursões “Galinholeiras” da Época
2014/2015, uma caçada curtinha mas muito rica em emoção.
Local : Vale da Serra/Pedrógão
Data: 08/02/2015, último
dia de caça às Galinholas da época 2014/2015
Tempo: Amanhecer muito frio
mas dia solarengo, e quase sem vento
Cães: Uva e Bolota, ambas
Epanheul Breton fêmea
Tiros: aprox. 20 metros
Arma: Pietro Beretta Silver Pidgeon 687 Sporting, 71 cm cano, quicks
4*/2*
Cartucho: Beccacia Mygra B&P, bucha feltro, 34 grs, chumbo 8,5
Galinholas: 2; das quais 1 errada e 1 cobrada
(In Caça & Cães de Caça, Junho 2015)
(Posted:2015/07/05)
Perdizes na Serra d`Aire: Aquelas que valem por “muitas”!É meio da época e assalta-me a ideia de uma manhã às bravas “a solo” em plena costa da Serra d`Aire.
O José Pereira, meu grande amigo e com quem caço regularmente, jà hà 20 anos, avisou-me durante a semana, que não caçaria este fim de semana.
A família havia ficado o fim de semana de recato, dado os anúncios de mau tempo para o fim de semana. Então decido chegar de véspera a Pedrógão d`Aire e dormir em casa de meus pais, o que também ajudou à sensação de regresso ao passado.
Cresci no sopé desta Serra e dela guardo recordações de uma infância e juventude muito felizes. Também por ali cacei muitas vezes, até antes mesmo de “pegar” na espingarda.
As caçadas por ali, aos tordos, coelhos, galinholas, às perdizes bravas “de Serra” e javalis, são já de facto mais que muitas. E só o facto de guardar relatos e fotos de forma sistemática me permite, de forma consciente, ter a noção das muitas, e boas caçadas, que por ali tenho feito, seja a só ou acompanhado. Uma verdadeira maravilha, que perdura e me alimenta o sonho e vontade inabalável de as repetir e acrescentar!
A ideia de caçar na costa da Serra às perdizes bravas, deixava-me simultaneamente preocupado em não facilitar e excitado com a possibilidade de fazer uma boa caçada. Uma caçada que me deixasse mais uma boa recordação, num local que me é particularmente querido, a Serra d`Aire.
Com o objectivo em mente, preparo todo o material ainda no sábado à noite. Botas e galochas, safões para proteger do mato forte e possivelmente molhado, o impermeável para o caso da chuva aparecer, um colete leve, chapéu de pala comprida para minimizar o impacto do levantar do sol da manhã ou da chuva directa aos olhos, arma passada a óleo e verificada, assim como os necessários documentos. Tudo em ordem. Quanto aos cartuchos, -Nada de cartuchos de chumbo 7 ou 7,5! que utilizo quase sempre nas chamadas perdizes de “borda de estrada”. Assim apelido por vezes, as perdizes soltas hoje em dia em muitas zonas de caça, de véspera ou de madrugada, a partir de um transporte e cujo comportamento e consequente forma de caçar nada tem a ver com a caça à perdiz verdadeiramente brava ou mesmo repovoada atempadamente. Mas isso são contas de outro “rosário”. A escolha dos cartuchos recaiu pelas cargas de 32 g, mas apenas de chumbo 6, com bucha de embalar.
Subsistia ainda alguma dúvida nos cães a levar.
O Pirata, setter inglês com 5 anos e à data o cão mais experiente no canil, não tem andado bem nas ultimas semanas, parecendo-me estar a ficar adoentado (espero eu que não seja Leishmaniose... como aconteceu com o meu último grande companheiro o “Bizarro”ou algo pior). Então acabei por decidir ainda antes de adormecer que levaria a“Joaninha”, perdigueira nacional com um ano. E as duas epanheul breton, a “Bolota”já com dois anos e a “Uva”, cadela também muito dotada, com um ano e meio e cuja dupla tenho ultimamente já ensaiado a caçar em parelha. Seria a estreia delas por ali.
Por forma a não fazer muito barulho e até porque já não sei onde estão “metade das coisas”... preparo-me num ápice, saio à rua, carrego tudo e acomódo as cadelas nas jaulas. Sigo de imediato até ao café da terra, onde tomo o pequeno almoço. Parto de pronto rumo a Vale da Serra, ainda antes da chegada dos habituais clientes, que como eu normalmente ali passam para a “cafezada” matinal e o utilizam como ponto de encontro. Vale da Serra é uma pequena e lindissima aldeia intrincada entre o Arrife (formação rochosa paralela à Serra) e a Serra d`Aire propriamente dita.
Opto pela “saída” apenas com a “Joaninha”, cadela de enorme potencial (mas ainda inexperiente) e para já mais “curtinha” nos andamentos, o que poderia proporcionar um levante mais próximo, das perdizes ainda “trôpegas” do frio da noite, coisa que sucede por vezes no Inverno (já em meados/final de época).
No entanto, nada aconteceu durante as primeiras horas, apesar do caçar muito entusiasmado da “Joaninha”, da busca meticulosa da área, e de ter a certeza de ali as haver. Mas pelo menos também não choveu.
O facto de estarmos em meados da época poderia fazer com que as perdizes estivessem ainda mais “subidas” por forma a buscar defesa, ou poderiam estar simplesmente num“canto” qualquer que ainda não tinha “batido”. Não desmanchei também e continuei, com a crença de que seria uma questão de tempo e sobretudo que estaria à altura do que sucedesse. Cerca das 10:00h faço uma passagem pelo carro, descasco uma tangerina, arrepelada à pressa da fruteira, antes de sair de casa, e reponho a “suadela” com os seus gomos suculentos e deliciosamente doces. Saio de seguida com as duas “bretons”.
Não muito depois, numa quota média da encosta, noto as cadelas a ziguezaguear de cabeça alta,procurando a emanação, simultaneamente estimuladas mas cuidadosas, seria algum rasto de outro bicho, ou as perdizes poderiam estar mesmo à nossa frente. Ainda antes de concluir o pensamento... VRRRRRRRRRRR....
Perdiz “nas asas” a cerca de 30-40 m, a descer e com a velocidade típica de perdiz de Serra, para quem a vida nunca foi fácil. Asseguro-vos, numa verdadeira “vertigem”...
Hesito um momento. Talvez por inesperado, pelo levante ser um pouco largo, e porque a cena é magnifíca! Ainda que o tente descrever, não me detenho de exclamar “- Indescritível!”. Num reflexo, que interrompe esse momento de comtemplação, eis que irrompe o tiro, inato, seco e seguro...
Vejo-a quebrar sincronizada ao tiro e desaparecer no limite da minha própria visão, às crutas de uns medronheiros altos, sarapintados, nesta altura, de vermelhos e amarelos intensos.
Gravei a imagem e assaltou-me a ideia de ter ficado “seca”. A referência era fácil, “os medronheiros altos e carregados de medronhos maduros”. “Que lance e que tiro!”,repetia-me o pensamento, com agradecimentos a Deus, a Diana e a Stº Huberto e a todos os que me levaram a estar ali, naquele dia, e naquele momento!
Oriento a descida em diagonal, atingo o ponto onde se terá levantado e percorro depois a sua trajectória. Não estou enganado. Era longe mas ela cruzou os medronheiros altos... começam as dúvidas... e por via das mesmas, muita atenção aos metros que antecederam à chegada aos ditos medronheiros. Já só me imaginava a contemplá-la. Será que as cadelas a conseguiriam cobrar. Ai, o meu “Bizarro”!Cão de caça, magnífico no cobro e, que fez a sua última época o ano passado. Um Breton que caçará comigo seguramente para sempre. Que saudades.
Mas a perdiz caiu mesmo. E estaria “seca”? Assaltavam-me as dúvidas. Tinha já passado adiante dos ditos medronheiros e procurava agora a “porrada” da perdiz. Se tivesse caído, àquela velocidade teria deixado penas no local da “porrada”. Seguramente. Raciocinava eu, tentando-me convencer que aquele tiro tinha sido uma “obra de arte” (...de grande sorte!), mas agora teria de haver perdiz por ali. Mas teria caído mesmo? Pelo menos tinha deixado essa sensação, e como se costuma dizer, “redonda”. No entanto, onde estaria a “porrada”?, mais adiante? Nada. Talvez antes dos medronheiros. Voltei atrás e adiante várias vezes, mais cinquenta, menos cinquenta. Não havia dúvida, que a estar, teria de ser por ali. Às tantas, vejo duas pequenas penas que, pelo seu estado, eram mesmo da perdiz (aquela perdiz!), mas da dita cuja, nada! Teria sido só um “raspão”? Teria ficado apenas“chumbada”, estando agora por ali “encoiçada” nas pedras e mato forte? A verdade é que cerca de 40 minutos depois, de andar ali a pisar o mesmo terreno, decido abandonar a busca e avançar. Estava estarrecido. Bem, afinal de contas, um grande esforço até ali e tudo em vão. Agora era já, mais de meia manhã. E depois de todo aquele trabalho de cobro, das “pequenas penas” que encontrei, levava agora eu uma maior, não restava mais que desistir. As hipóteses começam agora a diminuir face ao tempo disponível.
No entanto, a manhã era de perdiz e naquele terreno, uma manhã dura, e quem desanima, não encontra “fortuna”...procurava eu alguma motivação. Enquanto me libertava das ideias mais desanimadoras dou outra vez com as cadelas a caçar mais interessadas. E eis que a Uva se detém magistralmente, numa paragem expressiva e firme, após o que começa a guiar em curtos ziguezagues. Estava na minha frente e iria sair –aguardava eu! Era tudo o que me vinha à cabeça e tudo o que queria...
Ao mesmo tempo em visão periférica vejo a “Bolota” sair-me à direita a descair numa corrida desenfrada, mas de cabeça baixa e com todo o tipo de que se lhe tinha levantado fortuitamente um coelho. Bem, voltará de seguida, concluí, sem dar grande importância. Com atenção máxima na Uva que à minha frente continuou a caçar com alguns cuidados, mas nada... até que voltamos atrás, umas dezenas de metros, com a idea na localização da Bolota...
Pois, nada de mais, naqueles (alguns) minutos em que procuramos vir ao seu encontro, surge-nos, fazendo o mesmo, mas já não vinha sózinha... a Bolota trazia um grande perdigão consigo!
Confirmo de imediato, que seria o que tinhamos levantado, o mesmo a que tinha atirado e visto cair. O mesmo que procuramos por três quartos de hora, e alegrou o caçar das cadelas em 300 a 400 metros, sempre na nossa frente, e que tinha efectivamente arreado “de asa”.Pois é deu paragem à Uva e terá saído numa correria infernal, que não o tendo visto eu, nem a Uva, deu nas vistas à Bolota, que saiu no seu encalce e que bem o cobrou!
Vermelho! Fortissimo! Que Maravilha... o voo, o tiro, a insistência, o trabalho das cadelas e o cobro. Também, uma boa pitada de sorte...
Antes de voltar a casa decidi tirar uma foto com a encosta da Serra d`Aire em “pano de fundo”, com as companheiras da manhã... e o meu último troféu, um perdigão da Serra d`aire.
A ocasião assim o merecia.
Mais uma excelente manhã de caça na Serra d`Aire! E que repleta de emoções.
Quando já não houver mais“pernas” para caçar ali, restará rever estes momentos.
Apenas uma perdiz, mas daquelas que valem por muitas!
(In Caça & Cães de Caça, Maio 2015)
Posted: 2015/05/07
RAPOSAS – A Magia das Batidas!
O
apelo das batidas
A partir de Janeiro ou já
durante o mês de Fevereiro e sempre que as migratórias não acorrem a perturbá-lo,
o campo sossega. As manhãs frias e calmas de “final de época”, já sem a
presença assídua dos caçadores da menor fazem sentir o apelo das Batidas ás
Raposas – em muitos locais assim é, e para muitos caçadores e Associações no
nosso País.
Não é a primeira vez que
escrevo sobre Batidas ás Raposas. Teimo em considerá-las um tema interessante.
Assim penso. Por esse motivo tenho igualmente esperança que não seja a
última... Esses momentos de recato, uma pequena parte do tempo gozado em
análises e sonhos, alguns deles até já vividos, permitem o reconhecimento das
Batidas ás Raposas, como uma modalidade de caça de ingredientes únicos.
As batidas ás raposas são mais que sair ao campo em grupo
As batidas ás raposas são
mais que sair ao campo em grupo, munidos de armas, sem qualquer preparação, nem
noção do que irá acontecer, nem quando, nem onde, nem porquê... enfim faltas de
mais para que de facto faça sentido.
O planeamento atempado, a
organização, a coordenação do mais fino detalhe, a caça no posto e na linha de
Batida (em perfeita reciprocidade), a expectativa e sobriedade de quem caça
emboscado, a alegria e brio de quem tem por missão fazer as raposas cruzarem ás
portas, não podem estar sequer parcialmente ausentes das Batidas. Após a caça,
a demonstração de honra e respeito, á espécie, aos caçadores, aos batedores e a
todos quantos colaboraram, expressos na vontade em participar de uma
recordação, de constar de uma foto ou de vivificar a “sorte” através de
um trofeu, mais do que desejável, deverá suceder com gosto e espontaneidade.
Por último, como ingrediente derradeiro, o momento de todos comemorarem em conjunto,
culmina á mesa uma tradição cinegética singular e pouco comum noutras
modalidades.
Não fugir aos ingredientes e evitar improvisos
Nas Batidas e
independentemente do papel que ocuparmos é importante sentirmos todos os
aspectos mencionados acima. É certo, que nem sempre assim será ... . Como na
confecção de um receita de culinária a falta de um ingrediente, por mais que se
diga “secundário” ou menos importante para o resultado final, não deixa
o prato ser degustado na sua plenitude. De forma mais pragmática, as questões
de falta de planeamento e organização podem conduzir a falhas de segurança,
levam a coordenação e encadeamento deficiente das acções, indecisões, erros,
falta de controlo, etc. Por sua vez, estes aspectos subtraem confiança e concentração
a quem fica nas portas. Aos batedores sucede idêntica propagação ao seu
empenho. Alguns dos participantes, em jornadas assim (des)organizadas nunca
mais voltam. E finalmente, na realidade, não se caçou verdadeiramente. Em
consequência, não pode existir prazer, nem necessidade de prestar honra ou de
respeitar, o que no fundo não se respeitou. Por isso, não há qualquer motivo
para o que quer que seja. Assim os resultados são com frequência maus, a vários
níveis. O improviso é por isso, de todo evitável. Ou seja, não poupar esforços
em organizar bem e cumprir com o planeado é fundamental. Não improvisar trará
melhores resultados e maior consistência.
De forma resumida podemos considerar
um conjunto de factores todos eles importantes associados á realização das
Batidas ás Raposas:
A razão da Batida
- Argumentos
A Organização
- Aspectos legais
- Aspectos funcionais
- A coordenação
- A alimentação
A Segurança
- A segurança como um todo (transportes,
acondicionamento de armas, munições, bebida, etc.)
- Marcação das portas ou colocação dos postos
- Roupa/coletes de alta visibilidade para os
batedores
- Mapa das áreas a bater
O Comportamento do Caçador, do Batedor
e restantes envolvidos
- Empenho e Concentração nos papeis que cada
um ocupa
- Devemos recordar antes da saída para o campo
o que é esperado de cada um, qual deve ser o comportamento
Quadro de Caça e Convívio
- O quadro de caça e as fotos de grupo, para
além de uma manifestação de respeito, fomentam o gosto pelas Batidas
- Os convívios proporcionam a troca de
experiências, das histórias, do próprio conhecimento e fortalecem o espírito de
grupo e vontade de continuidade.
Factores contextuais e motivacionais nas batidas
Como referi inicialmente,
não foi a primeira vez que escrevi sobre as Batidas ás Raposas, no entanto
sempre que o fiz, sobressaiu o enfoque quase exclusivo na realização prática,
nas acções de planeamento, de organização, de comportamento e escolhas
associadas ao acto de caça. Desta vez, a partir destas linhas, espero que tenha
ressaltado, que a realização desses factores contextuais, a que chamei
figuradamente ingredientes, é fundamental para o desenvolvimento de
factores motivacionais (e emocionais) sobre a caça á raposa. Estes últimos, tão
importantes, dependem da existência ou satisfação dos primeiros. O gosto pela
Raposa e pelas Batidas pode ser ensinado e transmitido, no entanto tem de se
partir de bases sólidas, de uma plataforma de conhecimentos práticos, da sua
aplicação de forma empenhada e contínua. Como reflexo desse facto, surgirão o
apreço, o interesse, o prazer, a paixão pela raposa e pelas Batidas, por parte
de um conjunto de “frequentadores”, alguns que apenas se iniciaram por
curiosidade ou “por arraste”.
Comentários Finais
Como se percebe facilmente, tornar
uma actividade colectiva de caça atractiva ou apreciada, no caso específico das
batidas ás raposas, sobre a qual existiu e existe algum desenraizamento, não é
coisa que se faça de um dia para o outro. Essa é tarefa que envolve grande
esforço de organização e dedicação. No entanto, só através da continuidade se
conseguirá garantir dinâmica e cultura em torno das batidas. Não basta sequer
fazer uma vez bem, temos de mostrar regularidade, e esse é, e deverá ser o
desafio, por parte de quem tem responsabilidades de organização. Uma má
experiência tende a marcar-nos mais que um acontecimento positivo. É por isso
importante minimizar riscos e incertezas, quando queremos proporcionar uma boa
jornada de batida a caçadores e batedores, ou quando simplesmente a queremos
usufruir como caçadores, ou mais importante ainda quando queremos cativar ou
aumentar o conjunto de apreciadores dessa modalidade de caça. Actualmente,
estes aspectos são ainda mais importantes, face a uma oferta diversificada e
atractiva de modalidades “concorrentes”, assim como pelo perfil dos jovens
caçadores.
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Locais de tradição
Ao longo dos anos, através
das batidas ás raposas conhecem-se também locais fantásticos. Com as Raposas em
mente, esta época em particular conto regressar á aldeia de Vale Alto, e á
magnífica Serra de Minde. A própria tradição “Raposeira” desses locais torna a
caça á raposa e a vivência das Batidas uma genuína maravilha. As paisagens e o
coração das gentes que se conhecem (ou se re-encontram) complementam mais uma
excelente receita de caça, em final de época – um regalo para os sentidos!
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