segunda-feira, 29 de março de 2021

Os javalis da Páscoa! Mais uma espera em Casal Valentão

 (2021/03/27)

Ao longo dos anos tenho escrito sobre este local mágico do sopé da Serra d`Aire, onde tenho tido o privilégio de caçar aos javalis já há mais de 20 anos. Muitos lances ali tenho vivido, e muitas recordações ali tenho somado, de bichos avistados, e outros que acabo por conseguir caçar.

No passado sábado e após um período de vários meses sem conseguir fazer esperas, lá voltei ao Casal Valentão. O local onde realizo as esperas não mostrava sinais "demasiado" evidentes dos "bichos" e a falta de oportunidade para realizar observações mais detalhadas não reforçava a confiança na decisão, por isso a expectativa era relativamente moderada.

Chego por volta das 18 horas, ainda de dia, e instalo-me o mais confortavelmente possível. Logo quase de seguida cantam os melros antes da "deita". E surge logo depois a lua arredondada no horizonte, afinal era véspera de lua cheia. Os cães do casario denunciam cedo os movimentos da raposa, assim que descem da Serra, e se acercam das imediações, bem como possivelmente dos javalis mais famintos, que de imediato desencamam e procuram a comida antes dos grandes machos, ou de varas mais numerosas.



Logo desde o lusco fusco pode entrar ao cevador algum javali, e eu sei o bem. Por isso, o alerta é máximo desde esse momento de maior actividade dos bichos. E foi mesmo assim, logo após o cair da noite, cerca das 19:30h detecto um pequeno ruído, que não o do mato embalado pela aragem do cair da noite tão sistemático por ali. Na maior parte dos dias, é local sempre um pouco ventoso neste período, mas sossegando depois com o avançar da noite. Procuro com afinco, a olho a nú, qualquer movimento, ou forma que denuncie algum "meliante" vagueador e oportunista... e pouco depois dou mesmo com ele. Vislumbro-lhe a forma meio encoberta pelo mato circundante á clareira onde coloco o seu alimento predilecto, milho, e o movimento do focinho esbranquiçado. Pareceu-me um jovem macho pelo perfil arredondado e diria que pelo pequeno "canivete" de ponta branca, que lhe descontinuava a linha superior da boca. Sem dúvida era um jovem macho. Apesar de tudo, num de repente recolhe completamente ao mato e por largos minutos, por mais que o tentasse ver...foi-se mesmo sem se despedir, ...como um fantasma. Que azar, penso para mim. Este "servia-me" bem o desejo de voltar a matar um porquito e chegaria a casa ainda cedo para a habitual "adiafa" de esfolar e amanhar. Mas é assim, nem todos se mostram, e por isso é que os javalis estão e ascensão como espécie. O seu "sexto sentido" alerta-os para perigo eminente e são muito desconfiados mesmo. Pode ser que volte, ou surja outro... volto a pensar para mim na claridade de uma noite de pouco breu, o que sendo bom para o caçador, não é nada boa (por experiência) para os bichos se mostrarem. Nestas noites de maior visibilidade tornam-se ainda mais desconfiados. 

Talvez por volta das 21 horas, o ruído típico do mascar do milho seco interrompe o silêncio do local, e avisto num dos pontos de comida uma mancha escura de tamanho pequeno junto ao cevador. Texugo? Aponto-lhe a mira e identifco de pronto, sem dúvida. Aproveito para treinar a observação, e ocupar a mente, entretanto a começar a divagar sobre a probabilidade de ter porcos naquela noite... local pouco vigiado nas semanas/dias anteriores, noite ligeiramente ventosa, muito clara, o primeiro javali não foi á comida, e foi embora, texugo a comer milho...indicadores que não me transmitiam a mais forte confiança. Enfim, mentalizava-me em desfrutar, e estabelecia já que se não surgisse nenhum javali até ás 22:30, 23:00h abandonaria o local.

Entretanto, o saciado texugo afasta-se vagarosamente, e desaparece.

Próximo das 22:30h "bato com os olhos" num javali a comer num dos locais de comida, ..., que surpresa boa! E logo quando estava quase a desistir. Coloco-o na mira mas decido aguardar um pouco, até confirmar se estarão outros por ali. Deixo passar não mais que 10 minutos, mas conclúo estar sozinho. Será um jovem macho (sem dentes mesmo) ou talvez uma porca. Penso para mim que depois de tantos meses sem fazer esperas, quero mesmo é atirar e trazer um porquito. Isto chocará os mais puristas "esperadores", apesar de o saber não me incomóda. Há dias para tudo. Decido apontar cuidadosamente, e depois premir o gatilho com toda a suavidade. A minha "velhinha" CZ 550, de ferrolho, em calibre 30.06, com 20 e tal anos destas andanças cumpre na perfeição, e por isso venero-a como no primeiro dia... o porco não saiu do sítio e  esperneia os últimos impulsos de uma vida de liberdade, e riscos, que termina ali para benefício da Humanidade. Sim, carne e troféu se o tiver. Só não aproveitarei a pele, e as vísceras.

Já confortado pelo "resultado", desperta-me a adrenalina, e o cansaço dá lugar á vontade de esperar mais um pouco. Entretido, a pensar na minha "sorte" passa-se perto de uma hora, e o vento remeteu-se ao mais calmo silêncio. Consigo ouvir agora um rato se se atravessar nas imediações, e ouço ainda melhor o que me parece ser o movimento de um bicho bem maior a acercar-se do local, consigo olhar por cima do meu ombro...e nas minhas costas vislumbro no mato reluzente de lua, o movimento de um "negro" que se move em zig zag, em modo de para-arranque, ora avançando, ora escutando... ainda assim chega em instantes á zona limpa do cevador e consigo concluir rapidamente tratar-se de um jovem navalheiro. Volto a colocar a mira, desta vez em cima do candidato a navalheiro e decido pelo tiro quase de imediato. Havia verificado ter chegado sozinho, e este sim, seria um macho. Faço soar novamente a CZ, e apesar de não ter ficado no sitío não lhe estimo mais de 20 ou 30 metros pelo estarrabaço no mato e pedras. Eram 23:30h. 

Penso agora para mim, que noite de sorte!

Deixo passar apenas uns minutos e decido arrumar a "torgia". Descarrego, recoloco a bala restante no carregador, de novo na caixa, e acondiciono a carabina carinhosamente no seu estojo. Dobro a "mantinha" que coloco sempre em cima das pernas, guardo uma gola do pescoço, que nestas noites ainda frias, dá ainda certo jeito e retiro um pequeno foco de mão, que coloco no bolso largo do casaco grosso que visto. Acabo por colocar a mochila ás costas, assim como o estojo da arma a tiracolo, descendo de forma segura o pinheiro onde coloquei o "assento".

Com curiosidade, aproximo-me finalmente das minhas "presas", e verifico que o primeiro era uma porca com cerca de 60 kg, e o segundo um jovem navalheiro com 3 ou 4 centímetros de navalha exposta, um pouco maior mas com não mais de 75/80 kg.

Restava-me agora a parte pior...fazê-los chegar á carrinha, e logo dois!


Mas a verdade é que estava de coração cheio, tinha somado mais uma boa recordação, e isso dá-nos sempre muita força. 


Grande abraço a todos. Boas esperas.

A Caça é uma paixão!


*com estes javalis atinjo 69 javalis cobrados na Serra d`Aire